Rua Nossa Senhora do Amparo
Sendo o mês de Julho tradicionalmente reservado em Alfena para a festa em honra de Nossa Senhora do Amparo (no último domingo do mês: este ano no dia 31), pareceu-nos útil falar da Rua Nossa Senhora do Amparo que, começando no Largo da Codiceira, se prolonga até à rotunda que liga a auto-estrada A41 ao viaduto que se dirige à estrada nacional 105, em Água Longa.
Esta rua passou a chamar-se rua de Nossa Senhora do Amparo desde 21 de Julho de 1968, data em que foi inaugurada, com a presença das autoridades concelhias e locais. A festa foi nesse dia e a missa foi campal, dada a pequenez do espaço dentro da capela.
Esta nova rua passou a ser de passagem para as procissões em dias de festa, abandonando-se o percurso tradicional que da Codiceira ia ao Xisto e ao Ribeiro e, entrando no bonito Portal do Ribeiro, subia por essa rua particular até à capelinha.
A Voz de Alfena, no número de Fevereiro de 1979, na primeira página, faz-se eco das dificuldades que alguns levantaram em relação a retirar-se a placa que assinalava o início da rua. Dizia essa placa: “Transleça (Nossa Senhora do Amparo)”. Cá para nós: se essas dificuldades foram vencidas e prevaleceu apenas o nome rua de Nossa Senhora do Amparo, não poderia pensar-se em substituir a placa que assinala rua Vasco da Gama e que, com muito maior razão , se deveria chamar rua de Pedrouços? Se é ao lugar comummente chamado de “Pedrouços” que a rua vai ter, por que carga de água é que o topónimo Pedrouços não aparece em parte nenhuma? Que realidade oculta está por detrás da ausência de uma designação que seria a mais natural?
Perdou-se-me este excurso e regressemos à rua de Nossa Senhora do Amparo . Fiquem todos a saber que, em 1623, o Bispo do Porto, Dom Rodrigo da Cunha, cita uma ermida, chamando-lhe “Nossa Senhora do Lessa” e, em 1690, Manuel Pereira Novais refere-se à que deve ser a mesma ermida como ” Nuestra Senora de Trasleça”. Pelo menos é o que se pode ler em “Anacrisis Historial. vol. IV, p. 229, publicado em 1918 pela Biblioteca Municipal do Porto.
Que tem a ver a actual capela oitocentista com a tal ermida? o assunto é um pouco nebuloso, com uns a imaginar que não se trata de restauração da velha ermida e outros a dizer que é capela diferente construída no mesmo lugar, embora em sítio diferente, presumindo-se assim que tal ermida tenha sido demolida. Vamos a documentos: o que tem a data mais antiga (19 de Agosto de 1697) diz assim: (para melhor compreensão, faço a transcrição em português de hoje) “Diz o Capitão Gaspar Pinheiro de Carvalho, que ele alcançou do Reverendo Cabido licença para a construção de uma capela de invocação de Nossa Senhora do Amparo, como consta da licença inclusa e mais papéis para isso necessários de que se fez auto de que pendeu a dita licença e, por virtude dela, a dita capela está feita e capaz de nela celebrar missa”. A licença foi concedida e, feita a vistoria pelo Abade Manuel Camelo de Sousa (de Agrela), este confirmou que tinha os requisitos necessários para nela se celebra missa, e assinou depois de datar: “Várzea, 24 de Agosto de 1697”.
Assinale-se que a data de 1623 em que Dom Rodrigo da Cunha cita a ermida de “Nossa Senhora de Lessa” é anterior apenas cerca de setenta anos , em relação a este documento. Serão diferentes as ermidas de 1623 e esta de 1697?
Mas há outro documento de teor diferente: “Dizem Luís da Costa Fajardo, escrivão das apelações, crimes da Relação desta Cidade, juiz de Nossa Senhora do Amparo de uma ermida cita no monte de “Tresleça”, da freguesia de São Vicente de Alfena, comarca da Maia, deste bispado, e juntamente com outros devotos da mesma Senhora moradores nesta cidade e alguns da freguesia que, em razão de a dita ermida se achar ameaçando ruína, com algumas esmolas que há e outras com que eles concorrem, querem ampliar a dita ermida, demolindo a que é presente se acha por ser limitada e porque não o podem fazer sem licença de V. Senhoria, portanto pedem a V. Senhoria seja servido conceder licença para se fazer uma ermida nova no sítio da antiga, fazendo-se maior do que a que será de demolir (…) Porto, onde me acho, 1 de Maio de 1733. Súbdito de V. Senhoria , Simão da Cunha Porto (Reitor) (…) João Tinoco Vieira, Escrivão da Câmara (eclesiástica) despachou e a 4 de Junho de 1734, Guedes Moniz subscreveu a licença”.
Pormenorizando, o Pároco Simão da Cunha Porto informava: “Como era pequena a ermida, ou capela antiga, se acrescentou um pequenino mais para diante e outro para trás e se alargou uma ilharga alguma coisa, a que serve o retábulo antigo, que de antes tinha, que está suficiente por ter seus filetes dourados sobre azul no mais, o frontal serve o mesmo antigo, que também é suficiente”, falando da ida da imagem para a capela reedificada com “paredes seguras mas foi sempre no mesmo sítio antigo em que estava situada a ermida excepto os pequeninos acrescentamentos”.
Além desta reconstrução em 1733, houve uma outra em 1938/43, no tempo do Pároco António de Sousa “desde os alicerces, sendo necessário”, mas avisava-se para “mão se molestar em nada a talha dos altares e cantaria” e explicava-se que “na obra de cantaria as pedras deformadas serão rectificadas e as que faltarem substituídas por outras novas e as suas juntas tomadas por cimento” e que “as paredes com elevação serão feitas em alvenaria aparelhada e os alicerces em alvenaria ordinária”. E mais: “reconstruíu-se depois de demolido, todo o pano sul da capela, demoliu-se e reconstruíu-se toda a frente da capela, demoliu-se e reconstruiu.se parte do pano norte da capela e toda a sacristia, demoliu-se a escada interior do coro da capela e reconstruiu-se exteriormente em pedra lavrada, consertaram-se todos os altares da capela, lavaram-se e deu-se-lhes o aparelho respectivo para poderem ser novamente dourados a ouro mordente”.
Mas, afinal, a ermida citada em 1623 é a mesma de 1697? E a capela reconstruida em 1697 precisou de ser reconstruida quase totalmente em 1734 (37 anos depois?).
A distância no tempo é grande, a clareza dos documentos não é famosa e, decerto, o nosso desejo de tirar tudo a limpo talvez seja excessivo! O que é certo e sabido de todos é que a capela, formosa e de rica talha, lá está, abrigando a imagem de Nossa Senhora do Amparo (diferente da que existia noutros tempos) e à volta dela se faz rica festa.
Pe. Joaquim Carneiro Dias
Julho de 2011
Complemento ao texto original
Este é mais um texto com a excelente qualidade a que o falecido Pe. Carneiro Dias nos habituou.
É certo que existem alguns lapsos de pormenor que em nada abalam a qualidade global do texto.
Um desses, tem a ver com o termo da Rua Nossa Senhora do Amparo que, no seu texto, o Pe. Carneiro localiza na rotunda de Acesso à A41 (na «Chã dos Olhos»), quando na realidade, esse termo se localiza bem mais serra acima, no limite de freguesia com Sobrado, num local conhecido como os «Sete Caminhos» onde esta rua intercepta o antiquíssimo caminho do Susão a Agrela, pela linha de cumeada.
A Rua Nossa Senhora do Amparo corresponde, portanto, ao troço da estrada municipal 606, em território alfenense, iniciando-se no actual Largo da Codiceira (no antiquíssimo lugar do Belido) e terminando no já citado lugar dos Sete Caminhos, no limite da freguesia. Esta estrada foi construída em dois momentos diferentes do tempo para substituir o antigo caminho de Transleça para Sobrado.
O troço mais antigo entre o Souto de Transleça (actual Largo de Nossa Senhora do Amparo) e os Sete Caminhos foi construído nos anos 30 ou 40, do Século XX com recurso à mão-de-obra disponível dos mineiros da lousa, cuja actividade normal tinha sido seriamente restringida pela Grande Depressão. Muito provavelmente foram usados fundos provenientes das reparações recebidas da Alemanha por compensação pelos custos da I Guerra Mundial, daí que a estrada passasse a ser conhecida como «a estrada dos alemães» (esta última informação é apenas uma hipótese que ainda está a ser alvo de estudo e confirmação).
O troço mais recente liga o Souto de Transleça ao Belido incluindo a nova travessia do Leça em substituição do anterior pontão e, como podemos ler no artigo do Pe. Carneiro, foi inaugurado em 21 de Julho de 1968. Este troço tem ainda a particularidade de ter atravessado pelo meio de duas importantes casas de lavoura de Transleça (do Tomé e do Rocha), anteriormente encostadas uma à outra, mas divididas após a construção da estrada. Ainda hoje podemos observar as alterações introduzidas na arquitectura das duas casas, no cruzamento das Ruas Nossa Senhora do Amparo, São Tomé e Vasco da Gama. Maior detalhe acerca deste assunto pode ser consultado no libreto IV, publicado em Julho último pela nossa Associação.
Arnaldo Mamede
Novembro de 2019.