Paróquia de São Vicente de Queimadela (actual Alfena)
Aldeia das Ferrarias
Inquirições de D. Afonso III (1258)
Aqui começa a inquirição da vila chamada de Ferrarias e dos paroquianos da igreja de São Vicente de Queimadela, atrás referida.
Martinho Pires, do mesmo lugar, prestando juramento e sendo perguntado quantos casais há na mesma vila, disse que antigamente havia doze casais, e agora há sete, e desses sete casais, quatro são de Águas Santas, e três são dos Leprosos de Alfena. (1)
E houve oito casais de herdeiros, e eles costumavam dar oito denários (2) por mês ao Senhor Rei, cada um deles, e um palmo de ferro. E ele disse que todos os anos davam ao Senhor o Rei um ferro de arado, porque ele disse que se fazia aí a feira de toda essa terra. E disse que então, nesse tempo, não faziam feira no Porto, e que agora estão fazendo feira no Porto e, por isso, não pagam o foro como antes faziam. (3)
E o lugar está todo despovoado, e que os homens foram morar para outros lugares. Perguntado por que os casais que pagavam foro ao Senhor Rei estavam despovoados, e outros estavam povoados, ele disse que não sabia. Tinham tal foro e tinham tal uso que cada um que quisesse ir morar para outro lugar, e não deixasse outro no casal para pagar foro para o Senhor Rei, disse que esse casal então ficava para o reguengo. E ele disse que eles não podiam vender nem dar, a não ser que tal homem pagasse este foro mencionado ao Senhor Rei. E disse que aqueles que costumavam morar naquele lugar foram morar em Alfena e Aguiar e em outros lugares, e vão trabalhar e desbrava as próprias herdades foreiras, e não pagam foro ao Senhor Rei, como antes faziam. E agora não moram aí senão seis homens, e são herdeiros, e foram construir casas na propriedade dos Leprosos de Alfena, e pagam anualmente ao Senhor Rei oito denários, cada um por si. Questionado por que construíram casas na propriedade dos Leprosos e por que não construíram casas antes na propriedade do Senhor Rei, ele disse que, naquela época, eles eram melhor amparados pelos Leprosos do que pelo Senhor Rei.
Perguntado se o Senhor Rei tem algum Reguengo lá, ele disse que no lugar chamado Barreiro há sete grandes campos, e as terras são trabalhadas por Martinho Pires, e João Martins, e Vicente Dias, e João Domingues, e Dom Pedreiro de Alfena, e João Anes de Alfena, e Martinho Martins de Alfena, e Urraca de Alfena.
E em outro lugar chamado de Espinheiro fica outro campo trabalhado por João Martins e João Domingues.
E em outro lugar chamado de Linhar da Lagoa ficam duas leiras que são trabalhadas por João Martins e João Domingues.
E em outro lugar chamado de Leira da Fonte, ficam duas boas leiras que são trabalhadas por Vicente Dias, e João Domingues, e Martinho Pires, e Urraca de Alfena, e João Anes de Alfena.
E em outro lugar chamado de Pomar ficam duas leiras que são trabalhadas por Pedro Pires e João Domingues.
E em outro lugar chamado de Padrozelos fica uma leira que é trabalhada por Martinho Pires.
E em outro lugar chamado de Nogueira fica um bom campo e uma leira, o campo é trabalhado por João Martins, e Martinho Pires, e João Anes de Alfena, e Urraca de Alfena; e João Domingues e Domingas de Alfena trabalham a dita leira.
E em outro lugar chamado de Córrego da Portela fica um bom campo que é trabalhado por João Martins, e Martinho Gonçalves de Alfena, e Urraca de Alfena.
E em outro lugar chamado de Portela fica uma leira que é trabalhada por Martinho Pires.
E em outro lugar que se chama de Linhares ficam três leiras que são trabalhadas por João Martins, e Urraca, e Dom Pedreiro.
E em outro lugar que se chama de Campelo fica um bom campo que é trabalhado por Pedro Jabaz e Martinho Domingues de Alfena.
E em outro lugar chamado de Quintã fica uma leira que é trabalhada por João Martinho, e Martinho Pires, e João Domingues, e João Anes de Alfena.
E em outro lugar chamado de Belido fica um campo que é trabalhado por João Martins, e Martinho Pires, e João Anes de Alfena.
E em outro lugar chamado de Bouça da Ponte fica um bom campo que é trabalhado por Domingas de Alfena, e Martinho Pires, e João Domingues, e Urraca, e João Miguéis de Alfena.
E de todo este Reguengo eles dão, anualmente, ao Senhor Rei um terço de toda a produção. Quando perguntado se eles dão uma porção ao Senhor Rei dos terrenos por eles desbravados, ele disse que não. Interrogado porquê, disse que não sabia.
E todos esses herdadores pagam o foro aos Leprosos de Alfena, para que sejam protegidos de todos os foros reais. Perguntado há quanto tempo eles pagavam aquele foro, ele disse que desde o tempo do Senhor Rei Sancho, irmão deste Rei.
Ao ser perguntado se morava aí algum falsário, ou um devedor do Rei, ou alguém que havia cometido um assassinato e não o expiara, disse que não. Quando perguntado se eles haviam alimentado lá ou alimentam a filha ou filho de algum soldado por quem o Senhor Rei havia perdido seu direito, ele disse que não.
Vicente Dias, João Martins, Geraldo Fernandes, Estevão Soeiro, todos estes subscreveram o testemunho acima mencionado, palavra por palavra, cada um por si, como Martinho Pires acima citado.
(traduzido a partir do latim original do Portugaliae Monumenta Historica – Inquisitiones, fl 506 e 507)
Na Inquirição de Santiago de Bougado, surge uma referência à Ferraria:
E disse que de outro lugar, que se chama de Ferraria, que está próximo de Alfena, costumavam dar ao Senhor Rei, todos os meses, um palmo de ferro todos os que moravam aí, cada um por si, e por isso não dão outro foro ao Senhor Rei. Interrogado porquê, disse que não sabia.
(traduzido a partir do latim original do Portugaliae Monumenta Historica – Inquisitiones, fl 499)
(1) Gafaria de Alfena
(2) antiga moeda.
(3) A feira das Ferrarias seria anterior ao início do Século XIII, porquanto os registos da Chancelaria de D. Sancho I mostram que este monarca concedeu o direito ao Bispo do Porto, D. Martinho, de fazer uma feira na cidade do Porto. Seria com esta nova feira que a das Ferrarias entraria em decadência, e deixando de se fazer algures antes de 1258.
Inquirições de D. Dinis (1307)
Item, a Ferraria trazem-na por Honra toda os Gafos d’Alfena por que foi de D. João Pires da Maia. (1) Salvo um casal del-Rei e dois de Águas Santas. (2)
Continue como está.
(extraído do Livro 1 de Inquirições de Além-Douro da Leitura Nova, fl 44v)
(1) João Pires da Maia, chefe da casa dos da Maia, tenente da Terra da Maia, 1.º Senhor da Honra de Alfena.
(2) Comenda de Águas Santas da Ordem do Santo Sepulcro (e, mais tarde, dos Hospitalários)
Carta de Foro de um Casal reguengo que é na freguesia de São Vicente, na Ferraria, e em seu termos e da Maia – D. Dinis (1312) (1)
D. Dinis, pela graça de Deus, Rei de Portugal e do Algarve.
A quantos esta carta virem faço saber que eu dou e outorgo a foro, para todo o sempre, a Domingos Peres, morador em Alfena, e a sua mulher e a todos os seus sucessores um meu casal reguengo que é em seu termo como parte da Ferida do Malho, (2) directamente ao Penedo, e desde aí como vai directamente ao Rio da Canza, (3) e desde aí à Pedra Sobreposta do Vale de Martim, e desde aí pela espiga do monte de São Miguel, (4) e desde aí directamente ao Rio de Leça, pela veia de água.
E ele e a sua mulher e todos os seus sucessores devem dar a mim e a todos os meus sucessores, em cada um ano, a terça parte da terça de todas as coisas que Deus der nos herdamentos que ora são arroteados que pertencem ao dito casal, e a quarta parte do quarto de todas as coisas que Deus der nos ditos herdamentos que pertencem ao dito casal que são maninhos e ora não são arroteados, e devem a mim dar, e a todos os meus sucessores, em casa um ano, de foro do dito casal, um meio búzio (5) de aveia, em dia de São João Baptista, e uma teiga (5) de trigo de pidida e uma teiga de trigo de almeitiga quando malhar, e duas teigas de trigo do monte quando malhar, e se não houver tal monte em que haja estas duas teigas, deve haver-se com o meu mordomo (6) ou com aquele que o dito meu casal houver de ver. E se houver trigo de terça ou de quarta, dará estas duas teigas sobreditas que há-de dar do monte do trigo e, se não houver donde o dar, haver-se com o meu mordomo ou com aquele que por mim houver de ver o dito casal por aquilo que lhe poderia acontecer do monte por razão destas duas teigas e da messe que Deus der no dito casal fazer duas e, da pior, dar a mim duas teigas de sua livre estima e três búzios de milho do seu livre e três capões que sejam sãos de capadura, com dez ovos, em dia de São Miguel de Setembro e um frangão de linho tal que o tenha todo na mão que não possam dele ver, salvo o rabo e a cabeça, que deve sair fora, e uma fiã (5) de manteiga e dois queijos com uma fazedura de manteiga com seis ovos, como é costume de Bougado, que é no Julgado da Maia. E dar-me uma leitoa, se a houver de porca, e um cordeiro em dia de Entrudo, e escolhê-lo entre os melhores, e o que por mim houver de ver o dito casal ou outro melhor que ficar, e uma espadua de porco com cinco costelas sem pé, com ele uma teiga de trigo no dia de Natal.
E a ele e sua mulher, e a todos os seus sucessores, não devem vender, nem dar, nem penhorar, nem alugar, nem trocar, o dito casal, nem os herdamentos dele, a cavaleiro, nem a dona, nem a escudeiro, nem a clérigo, nem a ministro de ordens menores, nem a outra pessoa poderosa nem religiosa, senão a uma pessoa que seja da sua condição que bem e cumpridamente satisfaça a mim os meus foros em cada ano.
Em testemunho destas coisas lhe dei esta minha carta.
Dada em Santarém, aos dezanove de Janeiro. El-Rei o mandou por Afonso Anes, seu clérigo. Estevão Guilherme a fez. Era de 1350 (7)
(extraído da Chancelaria de D. Dinis – Livro IV, fl 62)
(1) Aforamento do Casal reguengo da Ferraria, mencionado nas Inquirições de 1307
(2) sabemos, por outros documentos, ser um lugar na extrema com a freguesia de Água Longa
(3) Rio da Canza, actualmente conhecido por Ribeiro da Junqueira
(4) cumeada do monte de São Miguel-o-Anjo
(5) medidas antigas
(6) cobrador de impostos
(7) Era Hispânica ou de César, corresponde ao ano 1312 da Era de Cristo