A Delimitação de Alfena com Ermesinde – 1689
Continuando o tema da delimitação da freguesia de Alfena, vamos, desta vez, debruçarmo-nos pelo limite que, provavelmente, trará mais interesse para os leitores de «A Voz de Ermesinde», ou seja, o limite entre as freguesias de Alfena e de Ermesinde.
É também um limite que é perfeitamente pacífico, não só devido à grande proximidade que sempre existiu entre as duas comunidades, mas também por ser um limite perfeitamente natural e de fácil identificação. Talvez por isso seja um pouco difícil perceber os erros grosseiros na elaboração da CAOP e que, neste caso, são «favoráveis» a Alfena e «desfavoráveis» a Ermesinde.(1)
Mas vamos pois, ao texto histórico de 1689(2) (de notar que até 1836, ambas as freguesias pertenceram ao antigo concelho da Maia e à Terra da Maia):
Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena
“Título da mediçam e demarcação da frgª. de Alffena
Mediçam da frg.ª de S. L.ço de Asmez
Aos vinte e sete dias do mes de Junho de mil seissentos e oitemta e noventa e nove anos em abouça da agra de Monforte q he da frg.ª de Folgoza sita em o conc. da Maya termo e jurisdiçam da muyto nobre e sempre leal sidade do Porto ahi adomde foi vindo o doutor Christovam Alao de Moraiz Juiz do Tombo do Coll.º de nossa s. do Carmo da Vniversidade de Cohimbra em companhia de mim escrivam a requerim.to de Manoel de Payva procurador do d.º Coll.º p.ª effeito de fazer a mediçam e demarquaçam e divizam da frg.ª de Alffena com ad Sam Lourensso de Asmez e logo ahi perante elle Juiz paresseo prezente o d.º procurador e por elle lhe foi requerido que elle avia feito sitar o R.º Joseph de Magualhais Arauyo abb.e da d.ª frg.ª de Sam L.ço de Asmez para effeito de se achar prezente no d.º Lugar e dar seu louuado p.ª q com o medidor geral do d.º Coll.º fazerem a d.ª mediçam demarquaçam e deuizam de entre as d.ªs freiguezias como eu escriuam assim dou por elle auer feito a d.ª sitasam o que uisto por elle Juis do Tombo seu requerimento confirmado de mim escriuam de como auia feito a d.ª sitaçam mandou ao porteiro Manoel Franc.º aprregoar o coal logo o apregoou e por estar prezente por elle foi dito que elle p.ª a d.ª mediçam e demarquaçam, digo prezente por elle Juis lhe foi dito que p.ª a d.ª mediçam e demarquaçam e devizao nomeou hum louuado p.ª que com o medidor geral fazerem a dª devizam e demarquaçam e logo pelo d.º Reuerendo Abb.e foi dito que elle se louuaua por sua p.te em Antam Glz laurador e morador em a d.ª frg.ª de Alffena, digo na d.ª frg.ª de Sam Lourensso ao coal elle Juis do Tombo mandou uir perante sim e lhe deu O Juram.to dos santos euangelhos sob cargo do que lhe emcarregou q bem e verdadeiramente medisse demarquace e deuizace as ditas freiguezias comforme o emtendece em sua comsiensia o que elle prometeo fazer na uerdade dipois de ouuido o d.º Juramento de que tudo elle Juis mandou fazer este termo que asignou com o Reuerendo abb.e louuados e procurador. Eu Manoel de Souza Barboza escrivão do Tombo o escreuy // Alao // Joseph de Magualhais Arauyo // Manoel de Payua Barro // Franc.º da Costa // de Antam Glz louuado.
Os d.os louuados comesaram de medir do outro marco atras da dita Comenda de Augas Santas pela deuizam de emtre as frg.as de Alffena e Sam Lourensso [N.R.: São Lourenço de Asmes, nome primitivo da actual freguesia de Ermesinde] p.ª a parte do sul the a serra de Vilar adomde elles louuados disseram era nesessr.º leuantar hum marco o coal elle juis mandou leuantar em o sima da d.ª serra e fiqua augas uertentes p.ª huma p.te e p.ª a outra e lhe mandou pelo porteiro dar hum pregám que com pena de coatro annos de degredo e cem mil rreis p.ª as despezas da R.am nimguem aranquáce o d.º marco nem emtendêce com elle e fica de distancia do outro atras the este duzentas e oito uaras.
E logo elles louuados na mesma forma atras foram medindo pela deuizam de emtre as freiguezias direjto p.ª o sul e no mesmo montado adiante donde fas huma uolta no alto do d.º monte asima da bouça de cabeda e ahi disseram era nesessr.º leuantar outro marco o que elle juis mandou leuantar e se lhe lansou o pregám na mesma forma atras e fiqua de distancia do outro a este trezentas sesenta e coatro uaras.
E logo na mesma forma atras os ditos louuados foram medindo pela deuizam de emtre as freiguezias direjto p.ª o sul the a parede de deuizão dos Campos de Domingos Miz. [N.R.: Martins] de Cabeda e de Pedro António de Sam Lourensso e ahi disseram elles louuados era nesessr.º leuantar outro marco o que elle juis mandou leuantar e dar pregám em a forma dos mais e antes de chegar a este marco fiqua huma Chaue e tem de distancia do outro marco a este dozentas setenta e duas uaras.
E logo na mesma forma atras foram elles louuados medindo pela deuizam de emtre as ditas freiguezias direjto p.ª o sul the o monte das possas iunto à estrada e ahi disseram os louuados era nesessr.º outro marco o que elle juis mandou leuantar e dar pregám na mesma forma dos mais e fiqua de distancia do outro a este cento e dezanoue uaras e m.ª.
E logo elles louuados na mesma forma foram medimdo pela deuisam de emtre as freiguezias em uolta pela pena furada p.ª o alto da Serra do Reguengo direito p.ª o sul, disseram os louuados era nessesario meter outro marco o que elle juis do Tombo mandou leuantar e dar pregám na forma dos mais e fiqua de distancia do outro a este quinhentas e doze uaras.
E na mesma forma foram elles louuados medimdo a distancia pela deuizam de emtre as freiguezias dir.to p.ª o sul the o outr.º [N.R.: outeiro] de uela de Sam Lourensso e ahi se lhe fes huma crus no penedo da d.ª uela e fiqua de distancia do outro marco a este cento e sete uaras e m.ª.
E logo elles louuados foram medindo pela deuizam de emtre as frg.as direjto ao outejro da pedra talhada na direjtura do sul e disseram elles louuados era nesessario outro marco o que elle juis mandou leuantar e dar pregám na forma dos mais atras e fiqua de distancia do outro em que fiqua a Crus the este duzentas setenta e sete uaras.
E logo em a mesma forma forma elles louuados medindo p.ª o sul direjto p.ª a Ribr.ª [N.R.: Ribeira] de Cabeda na serra das lameirinhas em uolta da baixa do outro marco por sima do d.º monte, disseram elles louuados era nesessr.º outro marco o que elle juis mandou leuantar e dar pregám na forma dos mais e tem de distancia do outro marco a este duzentas sincoenta e sinco uaras.
E logo na mesma forma foram elles louuados medimdo pela deuizam de emtre as freiguezias the o monte desendo p.ª as lameirinhas inclinando p.ª o nasente, disseram os louuados era nesessr.º outro marco o que elle juis do Tombo mandou leuantar e fiqua de distancia do outro a este duzentas trinta e coatro uaras.
E logo na mesma forma foram medimdo pela deuizam de emtre as freiguezias p.ª a p.te do nasente the junto ao Ribr.º, disseram os louuados era nesessr.º outro marco o que elle juis mandou leuantar e fiqua de distancia do outro a este cemto setenta e sinco uaras.
E por este modo disseram elles louuados tinham uisto medindo e demarquando e leuantado os marcos pela deuizam de emtre ae frg.as bem e uerdadeiramente comforme o emtendiam em suas comsiensias sem odio nem afeição e por estar prezente o Reuerendo Joseph Magualhais Arauyo abb.e da d.ª freiguezia de Sam Lourensso por elle foi d.º achaua a d.ª demarquaçam bem feita e nam duuidaua que a asim na mesma forma se lansáse em Tombo de que fis este termo que elle asignou com os d.os louuados e eu Manoel de Souza Barboza Escriuam do Tombo o escreuj, Joseph de Magualhais Arauyo, Manoel de Payua Barro, Fran.co da Costa, de Antam Glz [N.R.: Gonçalves] louuado”.
Esta descrição bastante clara, coloca-nos num primeiro ponto na «Agra de Monforte» no ponto onde se tocam as três freguesias, ali mesmo na estrada real que da Travagem subia a Vilar, entrando em Alfena pela citada Agra de Monforte, descendo depois pelas Corgas, Passarias ou Parcerias, Quinta das Telheiras e seguindo depois para Guimarães. Hoje esta estreita artéria tem três topónimos: do lado de Alfena é a Rua de Monforte, na parte de Folgosa é a Rua de Monforte de Cima, e do lado de Ermesinde é a Rua Nova da Boavista (este francamente desajustado, pois de nova esta rua não tem nada).
A partir desse ponto, o limite segue para sul pela cumeada da «Serra de Vilar», atravessando o Rio Leça e subindo pela Rua Vasco Santana (artéria que foi construída sobre o limite) e pelo Monte das Poças e Pena Furada até ao Alto do Reguengo/Mirante de Sonhos, seguindo depois, aproximadamente a linha de cumeada, pelas traseiras do empreendimento de Mirante de Sonhos, até descer, junto à nova sub-estação da REN, em direcção à Ribeira de Cabeda, encontrando aí o limite com Valongo.
Este é pois um limite natural por fazer uso das cumeadas de dois montes que, neste local estreitam o vale do Leça, separando a grande agra do Reguengo de Cabeda (Alfena) de um lado, da outrora zona agrícola do lugar da Fonte (Ermesinde) do outro e que sempre, e sem polémica, separou as medievais São Vicente de Queimadela e São Lourenço de Asmes.
Por: Ricardo Ribeiro (*)
(*) Membro da AL HENNA – Associação para a Defesa do Património de Alfena.
(1) O nosso esforço deu, entretanto, alguns frutos, tendo as Assembleias de Freguesia do Município de Valongo chegado a acordo que ganhou valor legal pela Lei N.º 33/2017, de 02 de Junho. Apesar de não corresponderem exactamente aos limites constantes do Tombo de 1689, os limites entre Alfena, Ermesinde, Valongo e Sobrado aproximam-os de forma satisfatória. Na imagem publicada abaixo apresentamos o actual limite legal da CAOP (a azul) e o limite entre Alfena e Ermesinde demarcado a 27 de Junho de 1689, conforme texto transcrito no nosso artigo (as diferenças são de «mero pormenor»).
(2) Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena – Colégio do Carmo da Universidade de Coimbra; ColCarmo10; Alfena: Arquivo Univ. Coimbra, 1689.