A Delimitação de Alfena com Água Longa – 1690 (2)
Complementando o artigo anterior vamos tratar hoje do limite de Alfena com Água Longa, a norte do Rio Leça. Limite, esse, bastante claro por fazer uso de elementos geográficos perfeitamente definidos como sendo linhas de água e de cumeada, e onde, ainda hoje, podemos encontrar vários dos marcos erigidos em 1690.
Mas vamos pois ao texto histórico de 1690(1), retomando-o no ponto em que ficamos no artigo anterior, ou seja, na travessia do Leça:
Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena
“Título da mediçam e demarcação da frgª. de Alffena
Demarquaçam de Alffena com a frgª de Auga Longua
Aos noue dias do mes de Fr.º de mil seis sentos e nouenta annos (…)
E logo foram elles louuados medimdo da outra p.te dalem do Rio comesando junto a elle em a rregueira do ualo dos moradores do Ribr.º desta frg.ª de Alffena direito p.ª o norte cemto e setemta e noue u.as athe adomde está o marco que deuiza o com. [N.R.: concelho] de Reffoyos do da Maya [N.R.: Até à reforma administrativa de 1836, a freguesia de Alfena pertencia ao Concelho da Maia e a de Água Longa ao de Refojos de Riba de Ave] o coal fiqua tambem seruindo de deuizam.
E logo foram elles louuados na mesma forma medimdo p.ª a p.te do norte sempre pelo Ribr.º asima q he a deuizam destas frg.as the domde chamam couas e logo ahi junto ao Ribr.º diserão era nesessr.º leuantar outro marco o que elle juis mandou leuantar e dar prégam na forma do mais e fiqua de distancia do outro atras dos com.os a estes setecemtas sesenta e oito uaras.
E logo forma medimdo elles louuados pelo Ribr.º asima direito p.ª o nortte trezentas oitenta e sete uaras the o sima de couas junto ao Ribeiro e ahi diseram era nesessr.º leuantar outro marco o coal elle juis mandou leuantar e dar pregám na forma dos mais.
E logo elles louuados foram medimdo na mesma forma pela deuizão de emtre as frg.as sempre augas uertentes the Saínhas em o alto da serra trezentas oitemta uaras e ahi disseram era nesessr.º leuantar outro marco o coal elle juis mandou leuantar e dar pregám na forma dos mais.
E logo elles louuados foram medimdo em dir.to p.ª o norte pela deuizam de emtre as freiguezias athe Sainhas aonde estaua leuantado o p.ro marco que deuiza a frg.ª de Folgoza e fica de distancia do outro atras a este trezentas setemta e sinco uaras.
E por este modo diseram elles louuados tinham feito e acabado a d.ª mediçam e demarquaçam bem e uerdadeiramente comforme emtendião em suas consiensias sem odio nem affeiçam alguma pelo juram.to que elle juis lhe tinha dado e logo pelo d.º Manoel de Oliua procurador do d.º Comendador B.er Ferras e Manoel de Payua procurador do d.º Coll.º que elles em nome de seus constetuintes e na forma de suas procurassois estauam pela d.ª deuizam, mediçam e demarquaçam e nam duuidauam que asim nesta forma se lance em Tombo de que fis este termo que elles asignaram, Manoel de Souza Barboza escriuam das sizas neste com.º da Maya e deste Tombo que o escreuj, Manoel de Payua Barro, Manoel de Oliua, Fran.co da Costa, de Pedro Fran.co louuado.”
Recomeçando no ponto onde havíamos ficado no artigo anterior, atravessando o Rio Leça, o limite segue pela regueira dos moradores do lugar do Ribeiro até encontrar o marco que separava os concelhos da Maia do de Refojos e que se situaria junto à antiga estrada real Porto – Guimarães (nas traseiras da antiga serração de madeiras).
A partir daqui o limite muda de orientação para norte seguindo pelo Ribeiro de Covas até ao lugar de Covas, onde ainda hoje encontramos um marco do Carmo, e depois, sempre pelo ribeiro acima até ao lugar de «Cima Covas» no ponto em que o ribeiro é transposto pela EN 318 (aliás, terão sido as obras de construção, ou de alargamento, da estrada nos anos 30 do século XX que terão feito desaparecer o marco ali implantado).
Deste ponto o limite segue pelo caminho de cumeada até ao alto da serra de Saínhas, onde ainda hoje podemos encontrar o marco original, o último a ser colocado e aquele que se encontra em melhor estado de conservação.
Do alto da Serra, o limite desce até ao sítio de Saínhas onde encontra o primeiro marco com Folgosa, implantado em 25 de Junho de 1689, e que ainda hoje lá permanece.
Na leitura destes textos históricos há que ter presente que até 1836, das várias freguesias confinantes, Alfena, Folgosa, São Pedro Fins, Asmes [Ermesinde] e Valongo-Jusão pertenciam ao antigo concelho da Maia, Sobrado pertencia ao julgado do Aguiar de Sousa e Água Longa pertencia ao concelho de Refojos de Riba de Ave.
Também devemos tomar nota que o Tombo não é um simples texto, mas antes a transcrição dos procedimentos de levantamento da delimitação da freguesia de Alfena levados a cabo por um Juiz nomeado por Provisão Régia, na presença de representantes e louvados das várias freguesias envolvidas, dando assim ao texto «força de Lei».
Mais do que limites históricos, os limites transcritos no Tombo de São Vicente de Alfena são os limites legais da freguesia de Alfena, e não podem ser afastados por erros grosseiros de entidades administrativas…
Concluído este trabalho de levantamento dos limites históricos de Alfena, vamos, agora em próximos artigos, debruçarmo-nos sobre outros temas relacionados com a História e o Património alfenenses.
Por: Ricardo Ribeiro (*)
(*) Membro da AL HENNA – Associação para a Defesa do Património de Alfena.
(1) Tombo da Igreja de São Vicente de Alfena – Colégio do Carmo da Universidade de Coimbra; ColCarmo10; Alfena: Arquivo Univ. Coimbra, 1689.
(2) O penedo estava lá à data da publicação do artigo. Entretanto, fruto do loteamento industrial autorizado para o local e das monstruosas movimentações de terras que arrasaram o Alto do Sobreiro Ventoso e soterraram o Vale da Fonte da Prata, o penedo que assinalava a divisória tripartida entre Alfena, Sobrado e Água Longa desapareceu.