Rua Nossa Senhora da Conceição
Desta vez – e alguns dirão: já vai sendo tempo! – falaremos de uma rua da zona sul da paróquia: a Rua de Nossa Senhora da Conceição. Tem o seu início mais ou menos a meio da rua de Cabeda, descreve uma curva até junto à capela que lhe deu o nome e ruma a norte, em trajecto mais ou menos direito até onde se encontram a rua do Forno, a Rua do Alto, a de Castro Moutinho e a da Curpilheira. O seu traçado coincidia com a estrada medieval Porto – Guimarães que partiria de junto à linha férrea em Ermesinde. Entrava no Reguengo por detrás da Casa Saramago, ainda em território de Ermesinde. Se existe a Rua Nova do Reguengo, o mais verosímil é que tenha havido a Rua Velha do Reguengo, da qual, se não me engano, resta aquela pequena extensão de rua que começa junto à subida para a rua da Ermida e segue depois, uns escassos metros, entalada entre o corre de algumas casas e uma nesga de terreno paralela à Rua de São Vicente. Não sei se haverá alguém por ali que saiba do percurso provável da velha estrada que, decerto entraria pelo caminho que desce para o lavadouro de Cabeda, seguiria para a rua do Cabo, atravessando a rua de Cabeda, até alcançar o leito da actual rua de N.ª S.ª da Conceição. Já agora, talvez venhamos a dizer alguma coisa sobre os nomes Cabo e Cabeda, os quais, no meu entender, terão algo a ver com a palavra latina “Caput”, que significa cabeça.
Não sei se haverá quem conheça quem foi António Marques e Arnaldo Ferreira da Rocha junto a cujas casas passava a estrada até topar na casa do Capitão de Cabeda, Vicente Ferreira Alfena que, com sua esposa Luzia Antónia do Sacramento, pediram ao Bispo do Porto, em 21 de Janeiro de 1733, que lhes fosse permitido construir uma capela na sua quinta.
É interessante transcrever aqui o teor da carta. Para melhor compreensão, modificámos apenas a ortografia e pusemos por extenso as abreviaturas:
“Diz o Capitão Vicente Ferreira Alfena, da freguesia de Alfena, que ele, suplicante, quer erigir uma capela na sua quinta que tem no lugar de Cabeda da mesma Freguesia; que é muito conveniente ao povo, por ter o dito lugar 25 fogos (famílias) e ficar muito distante da igreja, de sorte que, de inverno, muitas vezes fica gente sem missa por causa de não poderem ir à igreja por causa das águas, principalmente a família do suplicante, que vive recolhida e à lei na nobreza, para o que não duvida o suplicante dotar a dita capela para a fábrica dela com bens livres, dízimos a Deus na forma de Constituição. Pede a Vossa Senhoria lhe faça mercê conceder licença ao suplicante para erigir a dita capela, dotando-a para sua fábrica na forma de Constituição.”
O Pároco Simão da Cunha Porto, a 24 de Novembro de 1732 informara que a distância à igreja e as dificuldades de transpor o ribeiro, circunstâncias já previstas nas Constituições Diocesanas, devem favorecer a concessão da licença. O dote foi “o seu campo sito no lugar da Ferraria da mesma freguesia com uma morada de casas térreas com seu pátio, ramadas de vinho que partem com a estrada, com seu poço e hortas em redondo, dízimo a Deus.”
As terras dotadas “confrontam por uma parte com a estrada pública e por outras duas com montes maninhos e pela parte do sul com o Ferrador Miguel Pinto.” No mesmo ano de 1733, “diz o Capitão Vicente Ferreira Alfena da Freguesia de S. Vicente de Alfena, Comarca da Maia, deste Bispado, que da sentença junta consta fazer o suplicante dote suficiente para a fábrica da dita capela que pretende erigir no lugar de Cabeda, junto a sua quinta e estrada da mesma freguesia, com a invocação de N.ª S.ª da Conceição, para o que necessita de licença de Vossa Mercê.”
A 8 de Novembro de 1733 segue a informação final para ultimar a concessão da licença. “Visitei a capela e imagens de N.ª S.ª da Conceição, Senhora das Dores e São Vicente Ferreira (Ferrer) e ornamentos de que trata a petição e despacho acima e achei estar com a porta principal para a estrada, sem tribuna”.
O estilo é bastante repetitivo e enfadonho como era uso entre os tabeliães de antigamente (esta coisas pouco mudaram ainda… ). Se a rua consta no mapa de Alfena com o nome de N.ª S.ª da Conceição, não admira que nos tenhamos demorado a falar desta capela particular onde ainda havia culto antes de haver o Centro de N.ª S.ª da Paz. Eu próprio lá celebrei várias vezes… Só que a imagem da Senhora das Dores não a vi em parte nenhuma. Quanto a S. Vicente Ferrer, ele lá está e, como acontece com certos santos, sua figura tem asas, como se de um anjo se tratasse. Anjo significa mensageiro e S. Vicente Ferrer, ilustre santo da Península Ibérica foi um mensageiro impressionante do Evangelho. Curiosa ainda, uma pequena imagem de N. S.ª do Carmo, que mais parece uma boneca (!) do tipo das usadas em teatro de fantoches.
Pe. Joaquim Carneiro Dias
Novembro de 2011
Quem sabe, sabe!
A propósito da Rua de Nossa Senhora da Conceição de que se falou no último número e da afirmação aí feita de que tal rua foi leito da velha estrada que vinha da estação do caminho de ferro de Ermesinde para se encontrar com outra que vinha dos lados a Travagem, convergindo ambas na ponte de S. Lázaro e seguindo, depois, pela Rua (agora de São Lázaro), em direcção a Guimarães, recebi um amável e-mail do Senhor Arnaldo de Castro Mamede.
Cumpre-me agradecer-lhe a gentileza das palavras que me dirigiu e, muito mais, o que me deu a conhecer e que revela o muito que sabe sobre as realidades alfenenses. Esclarece o meu ilustre amigo que a velha estrada se manteve até ao chamado “Fontismo”, em meados do século XIX. Já agora permito-me acrescentar que “Fontismo” foi o nome que ficou a celebrar a extensa obra renovadora de Fontes Pereira de Melo, figura de relevo da política portuguesa, engenheiro de formação, e cuja acção decorreu no período da chamada Regeneração. O ilustre político promoveu grandes obras públicas, sobretudo no domínio das comunicações, pontes, ferrovias e estradas, retirando o país de um atraso que o afastava do resto da Europa.
Fechado este pequeno inciso, fiquei a saber, com a preciosa colaboração do Senhor Arnaldo Mamede, que as casas pertencentes a António Marques e Arnaldo Ferreira da Rocha, as quais ladeavam a antiga rua, ainda lá estão e bem conservadas. António Marques, a cujo nome se deve acrescentar ainda o sobrenome Silva, para ficar completo, pertence hoje a seu neto Américo Ferreira Nunes e situa-se no gaveto da rua do Castanhal com a travessa da mesma rua. A de Arnaldo Ferreira da Rocha, no extremo oposto da rua do Castanhal, é actualmente propriedade de seu neto, o Senhor Juiz Conselheiro Rocha Ribeiro de Almeida. Esta casa, também chamada “Casal da Praça” (assim designada num prazo da Sé do Porto) mereceu ao grande conhecedor das coisas do Porto que é Hélder Pacheco, o seguinte comentário, na sua obra “O Grande Porto”: “… Aconselho-o a ver, perto da estrada, na Travessa de Cabeda, a casa, para mim, mais bonita de Alfena, Casa de Lavrador, que muitos deveriam contemplar para aprender como construir com espírito…”
Fiquei a saber ainda que os mencionados António Marques da Silva e Arnaldo Ferreira da Rocha, de idades muito próximas, terão nascido por volta de 1870/80 e falecido pelos anos de 1940/45. Era gente honrada, de profundas convicções. E em relação a António Marques, diz o meu amigo ter sido um acérrimo monárquico e disso fazia gala, apesar dos dissabores que isso lhe acarretou, em tempos de crispação como eram aqueles. A comprová-lo, relata um episódio acontecido em 1919, aquando da festa em honra de S. Vicente. Nessa altura, Paiva Couceiro tomou a cidade do Porto e proclamou a “Monarquia do Norte”, de duração efémera. A notícia chegou a Alfena na tarde do dia da festa, o que levou António Marques, que era o juíz da festa desse ano, a ir colocar-se à porta da igreja e, com quanta força tinha, dar vivas ao Rei e à Monarquia. Às suas ordens, as duas bandas de música tocaram o Hino da Carta ou Hino da Monarquia. Euforia que durou pouco tempo, já que não tardou a “negrura republicana” a deixar o senhor António Marques de espirito prostrado!
Quanto ao senhor Arnaldo Ferreira da Rocha, ou Arnaldo do Feliciano, oriunda da casa do Casado de Transleça, foi um homem duro, determinado, amigo do seu amigo, leal, sempre disponível. Era neto de Manuel da Silva Marques, que chegou a ser Administrador do Concelho de Valongo, após a sua instituição, em 1837. Por duas vezes, em 1918 e 1927, foi também Presidente da Junta de Freguesia de Alfena.
Aqui ficam, pois, estes subsídios para a História de Alfena. Não pedi licença ao Senhor Arnaldo Mamede para os publicar, porque imagino que não se oporia a tal, e agradeço-lhe a colaboração preciosa que a todos nos prestou. Sei que sabe muito mais da História de Alfena, e não só, pelo que tem a Voz de Alfena à sua disposição. É que há, por exemplo, ruas como a da (deveria ser do) Bandeirinha, da Fidalga, do Real, da Lagoa, do Palacete…, sobre as quais gostaria de dizer algo, mas estou completamente às escuras!
Pe. Joaquim Carneiro Dias
Dezembro de 2011
Complemento ao texto original
Este é mais um texto com a excelente qualidade a que o falecido Pe. Carneiro Dias nos habituou.
Divergimos, um pouco, da sua opinião de que a etimologia de «Cabo» e «Cabeda», casal e aldeia, respectivamente, será «Cabeça», do latim «Caput». Inclinámo-nos mais para a opção em que, com a mesma etimologia, «cabo» significa «extremidade» ou «fim», afinal de contas, Cabeda é a aldeia que estava no extremo sul ou no fim de São Vicente de Queimadela, e mais especificamente o «Casal do Cabo» encontrava-se no fim da «Aldeia de Cabeda», a caminho de «Valongo Susão» (Valongo de Cima).
A estrada medieval Porto – Guimarães saía do velho burgo portucalense pela chamada “Porta de Carros” da muralha fernandina (na actual Praça Almeida Garrett, em frente à Igreja de Santo António dos Congregados), subindo pela velha Rua do Bonjadim até ao “Jardim da Aguardente” (hoje Praça do Marquês de Pombal), e depois pela rua do Lindo Vale e por um percurso muito próximo das actuais ruas de Costa Cabral e D. Afonso Henriques, seguindo próxima da linha de cumeada que separa a bacia hidrográfica do Douro da do Leça até à “Aldeia da Pica” (ou Pícua), próximo do histórico lugar da Maia, antiga morada dos Mendes da Maia, onde começava o chamado caminho para Valongo, para nascente.
A estrada de Guimarães descia, depois, para o vale do Leça, atravessando o limite entre as freguesias de Santa Maria de Águas Santas e São Lourenço de Asmes, a norte da “Agra das Sapeiras“, conforme demarcações que conhecemos feitas pela Comenda de Águas Santas entre 1631 e 1771. A rede viária de Ermesinde (antiga S. Lourenço de Asmes) sofreu uma profundas transformações depois da construção do caminho de ferro na década de 1870, mas acreditamos que o trajecto seria próximo das actuais ruas de Rodrigues de Freitas, Portocarreiro, Vasco da Gama, Miguel Bombarda, Fonte, Soutinho de Baixo até entrar em Alfena, pelo Reguengo de Cabeda.
Na entrada de Alfena, em nossa opinião temos 2 trajectos, um mais antigo, pela rua do Sobreiro e depois atravessando a agra pela zona da rua da Ponte do Arquinho, transpondo a Ribeira de Cabeda na ponte romana de arco único e continuando até à actual rua Agra da Seara, continuando depois pela rua do Castanhal; um outro trajecto mais recente, e à cota mais alta, talvez para evitar terrenos mais sujeitos a cheias, subiria, ainda em terras de S. Lourenço, pelas actuais rua Nova do Soutinho e do Soutinho, entrando em Alfena pela actual travessa São Vicente, continuando pelas ruas da Ermida e Central do Reguengo e pela travessa do Castanhal, onde atravessava a vau a Ribeira de Cabeda, até chegar rua do Castanhal, junto à Casa de António Marques da Silva, onde regressava ao trajecto mais antigo. Daqui continuava pela actual rua do Castanhal até à Casa de Arnaldo Ferreira da Rocha, atravessando depois a actual Rua de Cabeda (datada do final do Sec. XIX) e prosseguindo pelas ruas Nossa Senhora da Conceição, da Curpilheira, de Aldeia Nova, do Rego (atravessando o Ribeiro de Azevido) e seguindo depois por um trajecto desaparecido, mais ou menos, paralelo à actual rua de São Vicente, mas mais para o lado do Rio Leça, passando pelas traseiras da actual Junta de Freguesia e entrando depois na actual rua de São Lázaro, atravessando o Leça na Ponte de Alfena (ou de São Lázaro), entrando na “Rua de Alfena” (hoje de São Lázaro) até ao “Rossio da Codesseira“. Seguia depois pelas actuais ruas do Outeirinho, Alminhas, Xisto, Gandra, Lagoa e do Ribeiro, atravessando o ribeiro de Covas e prosseguindo depois para território de São Julião de Água Longa…
Uma outra estrada (a chamada estrada real) descia de Pícua e do Alto da Maia pela Gandra e Cancela (Ermesinde) atravessando o Leça na ponte antiga da Travagem e subindo depois pelas actuais ruas da Boavista e Nova da Boavista até chegar ao Alto da Agra de Monforte onde confluem os limites de três freguesias (Alfena, Ermesinde e Folgosa), entrando em território alfenense pela actual rua de Monforte e seguindo depois pelas ruas das Passarias, Nossa Senhora da Piedade, da Várzea, da Coroa e Nova de Alfena, da Moura, do Outeiro até chegar ao “Rossio da Codesseira“.
Ricardo Ribeiro
Dezembro de 2019.