Rua do Bandeirinha

São já muitas as pequenas e despretensiosas crónicas que vamos alinhando sobre os nomes que damos (ou que deram) às ruas da nossa cidade, que quer crescer, tornar-se mais bonita, apesar de todos os constrangimentos.

Confesso que sinto um certo prazer e relaxamento quando, no meio de muitos outros afazeres, me sento e me ponho a escrever, depois de ter ido verificar e fotografar a realidade que vai ser tema da crónica. E anima-me que tenha recebido estímulo de quem me costuma ler e se oferece até para partilhar, nesta página, o muito que sabe. Refiro-me concretamente ao meu amigo, senhor Arnaldo Mamede, que, sendo sensível a quanto é alfenense, seja no domínio da História, da Geografia, da Etnografia, ou da Toponímia, fez o favor de simpaticamente me escrever e responder ao apelo que aqui fiz para me darem luzes sobre nomes e sítios que ignoro ou me escapam.

Há muito que ando por Alfena (desde 1970), há mais de doze anos que me “fizeram” alfenense e tão largo arco de tempo fez nascer uma paixão que tem o condão de aliviar outras “paixões” que traçam o calvário da vida!

A Voz de Alfena é mensário paroquial, mas não no sentido de transportar a sacristia para o “centro cívico” (que ainda há-de ser…) nem de proclamar impertinentemente a “homilia” por tudo quanto é rua… Bastará que o jornal ponha as pessoas a pensar de forma inteligente, as ajude a crescer culturalmente, porque esse é o lastro essencial para que outros “valores” amadureçam.

Vai longo o preâmbulo. Vamos ao nome das ruas. Desta vez é a que dá pelo nome de Rua da Bandeirinha. A contracção da preposição de com o artigo a é que estraga tudo! Qualquer forasteiro terá sobejas razões para se interrogar mas onde está ou onde esteve a bandeirinha, que cores tinha e que largura de pano?! O mapa que acompanha o texto ajuda a localizá-la. Fica ali nas traseiras do Centro de Inspecção Automóvel, vizinha do Intermarché e liga a rua da Várzea, por detrás da serração, à rua 1.º de Maio. A rua confina com a chamada Quinta da Várzea, assim chamada até aos anos 20 do século passado, e depois mudado para Quinta do Bandeirinha. Reparem no do, que assim é que deve ser! “Bandeirinha” é o diminutivo (que o povo humilde costuma acrescentar a quem julga ser-lhe superior) de Abílio Bandeira Dias. Este senhor Bandeirinha tornou-se proprietário da quinta por via do seu casamento com a herdeira da família Moreira Duarte Matos.

Explica o meu sábio amigo, senhor Arnaldo Mamede, que estes Moreira Duarte estão na Várzea há pelo menos 300 anos. Um dos ramos da família foi proprietário da quinta das Telheiras até aos anos 30 do século passado. Diz ainda que Manuel Moreira Duarte, o “Barbado”, solteirão, sem descendência directa e muito endividado está na origem de a Quinta das Telheiras ter caído nas mãos dos credores, após a sua morte.

Mas voltemos aos Moreira Duarte que, aí por 1840, juntaram o nome “Matos” ao que já tinham. Tal nome tem origem em Santa  Cristina de Folgosa e chegou-lhes por via materna, com raízes no Rio de Janeiro para onde seguiram, ainda jovens, para junto de familiares maternos, os filhos Manuel e, mais tarde, também outro filho de nome Francisco. Uma Albina, de seu nome todo Albina Moreira da Silva, que era irmã deles, casou em Baguim com Francisco Martins Ferreira. De tal casamento nasceu, em 1862, mais um Manuel, que deixou bem gravado o seu nome em Alfena. Efectivamente foi o Senhor Comendador. Seu nome inteiro é Manuel Martins Ferreira de Matos e dele falamos no penúltimo número. Também conheceu os Brasis este Senhor ilustre Comendador. Partiu cedo para o Rio de Janeiro, para junto de Manuel, seu padrinho e tio materno. Entretanto, regressou do Brasil, em finais do século XIX, vindo para a sua Quinta da Várzea, também o Senhor Francisco Moreira Duarte Matos, futuro sogro de Abílio Bandeira Dias (o Bandeirinha). Fez melhoramentos, aumentou a área da Quinta adquirindo terrenos anexos e edificou moradia “abrasileirada” e hoje um pouco em mau estado. Os caseiros que havia passaram a habitar a primitiva casa do século XVIII, a qual ainda se pode ver, rente à Rua da Várzea.

A Quinta foi murada, guarnecida com portões de ferro forjado, onde ainda se vêem escritas as iniciais FMDM e também a data da construção: 1895. Um palacete existente na Rua de Costa Cabral, no Porto, foi também pertença sua. A casa que ainda hoje existe na Quinta é já do século XX e foi obra do Bandeirinha, falecido em 1966. Está sepultado no jazigo-capela no cemitério antigo, conhecido por n.º 1, ou antigo cemitério “parochial”. Tal capela-jazigo é a primeira à direita de quem entra pelo portão grande.

A Quinta conheceu entretanto amputações várias para darem lugar à Escola EB 2,3, a duas superfícies comerciais (Minipreço e Intermarché) e um posto de combustível. Ainda que diminuída, continua na posse da família Bandeirinha. É seu proprietário o genro Senhor J. Silva Pereira.

Já se vê que, para saber estas coisa todas, as tinha de aprender de alguém! Um obrigado sincero a quem me elucidou.

Pe. Joaquim Carneiro Dias

Março de 2012

Complemento ao texto original

Os Moreira Duarte surgiram na Várzea com o casamento de António Moreira e Domingas Duarte, em 26.11.1758, caseiros de algumas propriedades da Comenda de Águas Santas, na Várzea, no Tombo de 1771, herdadas dos pais de António Moreira.

A esposa, por sua vez, era irmã de Fernando Duarte Pires, outro caseiro da Comenda, em Baguim, que, depois de um processo algo conturbado, alcançou o estatuto de «Familiar do Santo Ofício» e que viria a ser padrinho de baptismo do único filho do casal, já localizado, Fernando Moreira Duarte (o primeiro Moreira Duarte), nascido, na Várzea, em 29.01.1760.

O Fernando Moreira Duarte casou (Alfena, 19.04.1798) com a Antónia de Paiva (n. Xisto, 20.01.1774), casamento onde já localizamos 3 filhos:
 
Manuel Moreira Duarte (n. 22.10.1801) que dá origem ao ramo dos Moreira Duarte que, em 1870, pela mão do seu filho António Moreira Duarte, adquiriria a Quinta das Telheiras, e que a perderia, já no Século XX, após falecimento do neto Manuel Moreira Duarte, o «Barbado»; ramo este, de onde descende o, recentemente falecido, José Moreira Duarte, último regedor de Alfena e popularmente conhecido por «Zeca do Júlio»…
 
Maria … (n. 04.05.1803)
 
António Moreira Duarte (n. 09.05.1806), o «patriarca da Várzea», que casou em Folgosa, a 24.06.1829, com Ana Moreira da Silva (Matos), de Santa Cristina, de quem teve 8 filhos, todos tendo chegado à idade adulta:
a) Maria Moreira (n. 25.12.1829);
b) Manuel Moreira Duarte de Matos (n. 10.01.1832),  que casou com a sua prima Maria Amália da Silva Matos (Folgosa, 02.09.1855), e foi, por carta do Rei D. Luís, em 1867, o primeiro Comendador, por ter dado um importante donativo para a construção da primeira Escola em Alfena, que a Câmara Municipal de Valongo desbaratou;
c) Ana Moreira (n. 24.02.1834) que casou com António da Rocha, Jr (descendente do Capitão das Ordenanças de Alfena, André da Rocha e Sousa), de quem descende o autor destas linhas complementares;
d) Margarida Moreira (n. 10.01.1836);
e) Miquelina Moreira (n. 28.11.1839), casou (Folgosa, 15.07.1860) com Manuel Moreira da Costa;
f) Albina Moreira (Matos) (n. 08.02.1842) que casou com Francisco Martins Ferreira, tendo vários filhos, dos quais se destaca o mais velho Manuel Martins Ferreira de Matos (n. 18.12.1862 – f. 05.10.1941), afilhado, por procuração, do tio Manuel, à data ausente no Brasil, e que viria a marcar indelevelmente o seu nome na História de Alfena, não só por ter oferecido a Escola Primária (hoje Centro Cultural), mas também por ter sido na sua Quinta que foi instalada a 1.ª cabine eléctrica de Alfena (hoje à entrada da Av. Dr. Francisco Sá Carneiro), fruto de uma cooperativa criada por vários alfenenses para fornecer a energia eléctrica em baixa tensão;
g) Brízida Moreira (n. 07.01.1848);
h) Francisco Moreira Duarte de Matos (n. 09.12.1849) que viria a ser sucessor do seu pai na Quinta da Várzea e a ampliaria, deixando-a à sua única filha, Flora Amélia Matos, casada com Abílio Bandeira Dias (o «Bandeirinha») que herdou a Quinta por óbito da esposa, sem filhos, em 1937.

Estas são as linhas gerais da árvore dos Moreira Duarte, da Várzea, que será, brevemente, alvo de um trabalho um pouco mais exaustivo.

Uma pequena correcção de mero pormenor no texto o Pe. Carneiro Dias, as casas da Quinta da Várzea ficam marginais à Rua Nossa Senhora da Piedade, uma vez que, formalmente, a Rua da Várzea apenas começa no entroncamento da Rua do Bandeirinha.

Ricardo Ribeiro

Outubro de 2019.

Representação da Rua do Bandeirinha sobre fotografia aérea do Bingmaps