O Portal do Ribeiro
No lugar do mesmo nome, à margem da Estrada Nacional 105, onde esta quase se encosta ao rio Leça, a poucas dezenas de metros do limite da Freguesia e Concelho com Água Longa e Santo Tirso, respectivamente, ergue-se imponente um monumental portal brasonado que serve de entrada nobre à quinta do Ribeiro ou de Transleça, como também é conhecida.
Em meados do Séc. XVIII, Manuel Álvares Barbosa, grande mercador na Ribeira do Porto, onde residia na rua da Reboleira e seu irmão o Padre Agostinho Álvares Barbosa, este mais dado aos negócios que ao culto divino, originários da Casa da Praça, assim designada por se situar no lugar da Praça, junto à igreja Matriz da Honra de S. Martinho de Frazão, encetaram a aquisição de diversas parcelas de terrenos, que foram juntando, em ambas as margens do Leça, cujo núcleo principal viria a constituir a Quinta do Ribeiro ou de Transleça.(1)
A Casa da Praça era uma das mais opulentas casas de Entre Douro e Minho. Sede de uma Companhia de Ordenanças, cujo Capitão era de nomeação da própria Casa, mais tarde, após a instauração do Regime Constitucional, em 1834, sede da 4ª Companhia de Voluntários do Concelho de Refojos de Riba d’Ave, integrante do respectivo Batalhão, aquartelado na Quinta de Diniz, em Santo Tirso, sob o comando do Major-Governador Militar do referido Concelho, Joaquim Bento Correia de Miranda e Sá. (1)
Pertencia à Casa da Praça a administração estatal do negócio do tabaco, nos Concelhos de Refojos de Riba d’Ave e de Aguiar de Sousa, com poderes para remover Estanqueiros e nomear outros em sua substituição, era, ainda, sede de um Julgado dos Órfãos, sendo os respectivos cofreiros e delegação das cobranças das décimas prediais dos bens de raiz do dito Concelho de Refojos. (1)
A esta já considerável fortuna dos proprietários da Casa da Praça, houve que acrescentar a herança de Gaspar Barbosa Carneiro, parente próximo, falecido sem descendentes directos, também oriundo de Frazão, do lugar do Crasto, proeminente personalidade da vida económica da cidade do Porto, época durante a qual a economia, a cultura, o progresso se uniram para elevar bem alto o nível de vida da urbe Portuense. (1)
Residente na rua Nova dos Ingleses, Gaspar Barbosa Carneiro foi intendente da Companhia de Geral de Pernambuco e Baía, de uma outra de navegação entre o Porto e o Brasil, com interesses numa companhia de seguros de navios, nas dízimas alfandegárias do pescado do porto de Viana do Castelo e accionista fundador da Companhia de Agricultura das Vinhas do Alto Douro, instituída pelo Marquês de Pombal em 1756. (1)
Conferiram prestígio à Casa da Praça diversas personalidades influentes, nas mais diversas áreas sociais da época, capitães de Ordenanças, conceituados homens de negócios, comerciantes de grosso trato, o lente da Universidade de Coimbra, Doutor José Carlos Barbosa de Sousa Vieira, os Padres Tomás de Sousa Vieira e Gaspar Barbosa Pimenta e Sol, respectivamente tio e sobrinho, ambos Párocos de S. Tiago de Bougado e ligados às obras de construção da respectiva Igreja Paroquial, projecto de Nicolau Nasoni, concluída pelo segundo de modo menos feliz. (1) (2)
Era irmão deste Padre Gaspar, Abade do Bougado Grande, o Padre Francisco Xavier Caetano Pimenta e Sol (1745-1815) que foi Pároco de S. Lourenço de Asmes (Ermesinde). (1) (2)
As actividades comerciais de Manuel Álvares Barbosa viriam a sofrer forte abalo pelo apresamento de navios e inevitável perda de mercadorias, em consequência do Bloqueio Continental, decretado por Napoleão Bonaparte, que aumentou fortemente a insegurança da navegação no Atlântico e no Mediterrâneo. (1)
A corveta “Conceição”/”Santa Rita” perdeu-se em 1794, ao largo da Ilha da Madeira, no ano seguinte, a retenção e condenação do navio “Bom Sucesso”/”N. Sra. do Carmo”, em I’lle de France, obrigou ao pagamento do respectivo prémio de seguro. Em 1796, os Franceses, então aliados aos Espanhóis, apresaram o navio “Augusto”, vindo do Rio de Janeiro, bem como o “Madre de Deus” que foi conduzido para Cádis. Outros, como o “Triunfo”/”Vera Cruz” e “Nª Sª da Alegria” foram alvo de pilhagens em pleno oceano. (1)
A galera “N. Sra. do Amparo”, invocação da capela de Transleça, incluída na carreira da Índia, teve de ser vendida em 1788, em Goa, para superação de diversas obrigações. (1)
Período difícil da nossa História, que viria culminar com a invasão do território continental pelas tropas Napoleónicas, obrigando a Família Real a retirar para o Brasil.
A Manuel Álvares Barbosa sucedeu seu irmão Gaspar, já então senhor da Casa da Praça e sucessor de seu pai nas funções de cofreiro do Julgado dos Órfãos da Honra de S. Martinho de Frazão. (1)
Gaspar Álvares Barbosa, graças á elevada consideração e prestígio que gozava entre as elites portuenses, detentor de largos recursos que lhe conferiam grande poder e influência na banca comercial, viria a conseguir da Rainha D. Maria I, carta de patente de Capitão da Companhia de Ordenanças da Companhia de Frazão e, pouco depois, em 1799, a outorga do uso de brasão de armas, pela mesma Soberana. (1)
São dessa época, as obras levadas a cabo na Casa da Praça e na Quinta de Transleça, o monumental portal para receber as pedras de armas com os escudos dos Barbosas, Moreiras, Álvares e Meireles, obras, cuja conclusão terá ocorrido em 1801.
Será da mesma altura a construção da ponte anexa sobre o Leça, pondo, deste modo, termo à difícil e penosa travessia a vau, dado que o troço da via que atravessa a Quinta é parte da estrada medieval que ligava o litoral, passando pelos Bougados, Covelas e Coronados, às terras de Sousa.
Este importante melhoramento na travessia do Leça, conferia ao proprietário da Quinta o direito à cobrança de portagem pela passagem de veículos, os peões estavam isentos. Esta prática permaneceu até aos anos sessenta do Século passado, tendo acabado definitivamente com a abertura da E. M. 606.
A Gaspar Álvares Barbosa veio suceder seu filho o Bacharel Manuel Alves Barbosa e, por fim, o filho natural deste, o Capitão Manuel Alves Barbosa Júnior, nascido, talvez, em 1815 e falecido em 1897, o celebérrimo Capitão da Praça, sobre o qual os Alfenenses mais velhos, quando jovens, ouviram, de pais e avós, histórias de encantar. (1) (3)
Aos 19 anos, embora ainda menor, foi nomeado Capitão da 4ª Companhia de Voluntários de Refojos, Administrador do recém-criado Concelho de Paços de Ferreira em 1836, Vereador Municipal em 1841, Juiz Ordinário em 1842, Presidente da Câmara de Paços de Ferreira em 1845. (1) (3)
Arruinou-se, vencido pelo jogo, numa noite de alta batota, perdeu sete quintas, segundo reza a lenda… (3)
Interdito e impedido da administração dos seus bens só assim se salvou de morrer na miséria. (1) (3)
É possível que, em breve, voltemos ao interessante tema Capitão da Praça.
Em 25 de Maio de 1861, por escritura celebrada pelo Tabelião Francisco José Lopes de Lima, na Casa da Praça, a Quinta de Transleça, portal do Ribeiro incluído e demais pertenças, foi adquirida pelo casal José Joaquim Dias de Oliveira e Quitéria Martins (Marques), ele de Campelo, Sobrado, ela de Transleça, filha do «eterno» e «omni-presente» Administrador do Concelho de Valongo, Manuel da Silva Marques, trisavós dos actuais proprietários. (4)
Por: Arnaldo Mamede (*)
(*) Membro da AL HENNA – Associação para a Defesa do Património de Alfena.
(1) Diniz, Manuel Vieira. Segredos e Revelações: Crónicas Jornalísticas; Subsídios para a História de Lordelo – 2; Lordelo: Fundação A LORD, 2004.
(2) Cruz, António. Nasoni – Arquitecto da Igreja de Bougado; Cadernos de Portucale; Porto: Gráficos Reunidos, 1985.
(3) Diniz, Manuel Vieira. O último capitão da Companhia de Voluntários de Refojos; Separata de O Concelho de Santo Tirso – Boletim Cultural – Vol.V – N.° 3; Santo Tirso: Câmara Municipal de Santo Tirso, 1957
(4) Escritura de Venda da Quinta do Ribeiro; Cartório Notarial de Paços de Ferreira, cota J/9/4/4-3683.247, fl. 81v a 83v; Frazão: Arquivo Distrital do Porto, 1861.